sexta-feira, junho 30, 2006

Antes que o Mundial acabe

Já se sabe que a equipa que ganha nem sempre é a melhor e que, nesse caso, a que perde tem apenas uma justa e merecida "vitória moral": não ganha coisa alguma, mas recebe a mortal palmadinha nas costas pelo esforço.

Dificilmente se verá um adepto fervoroso a privar-se de comemorar a vitória da sua equipa, ou a comemorá-la com sérias reservas morais, só porque o golo decisivo veio na sequência de um fora de jogo que o árbitro não assinalou, ou de um penalty que na verdade não existiu. Assim que se ouve o apito do final da partida, já ninguém se lembra da mão de deus ou da maçã de adão. Impossível negar: é preferível ganhar com pouco mérito a perder com imensa dignidade, e quem disser o contrário ou é um romântico (nada contra) ou confunde futebol com a "vidinha", onde uma palmadinha nas costas ainda pode ser uma coisa reconfortante e onde a dignidade vale mais que o preço de mercado do Jardel.

Um jogo de futebol pode ser "bem" ou "mal" perdido, mas deixemo-nos de hipocrisias: o que interessa mesmo é ganhar.

quarta-feira, junho 28, 2006

Falhar

Quem disse que uma vez tomada uma decisão é sempre possível voltar atrás, com certeza nunca se viu obrigado a tomar uma decisão realmente importante. Voltar atrás é falhar duplamente.

Fantasmas

Um homem indeciso é um homem que protela as suas decisões até que o problema sobre o qual reflecte deixe de existir, ou se resolva à margem da sua vontade. Um homem indeciso não se compromete, mas também não acumula vitórias; não é dotado de genialidade, mas evita pavonear-se ao ponto de se tornar insuportável. Não cria, por isso, grandes inimizades e consegue sobreviver na mediania de uma existência sem sobressaltos. É um moderado, uma anémona, um assim-assim.

Um homem indeciso é, pois, uma espécie de fantasma - ninguém dá por ele, pois não tem sombra nem reflexo. E o mundo está cheio de fantasmas.

Amor e um quarto de hotel

"Love From Room 109 at the Islander", original de Tim Buckley, toca aqui ao lado numa magnífica versão dos Mojave 3. Estes rapazes lançaram há dez dias o seu novo álbum, "Puzzles Like You". Enquanto esperamos as primeiras críticas, fica a capa:


terça-feira, junho 27, 2006

Take Another Plane

A piada é velha e sem graça, bem sei, mas reparo que a TAP está a considerar a hipótese de pôr ao serviço dos portugueses mais uns voos para a Alemanha no próximo sábado. Repito: está a considerar a hipótese eventual de abrir esta excepção, dada a anormal procura de bilhetes.

O que me fascina nisto tudo é a demora em reconhecer aqui uma oportunidade (talvez única, este ano) de fazer disparar as vendas. Perante a histeria mais do que justificada dos adeptos portugueses, dispostos a sacrificar o miserento "pé-de-meia" destinado às férias de verão em família no algarve por um único bilhete de avião, a TAP ainda hesita.

Se o chefe de família está disposto a prescindir da viagem com a sogra, os filhos e as mantas no banco de trás, rumo ao paraíso de Albufeira ou Armação de Pêra, onde estão outras tantas sogras e filhos e mantas, só para se enrolar num cachecol da selecção e ir gritar para um estádio na Alemanha, com o dinheiro contadinho no bolso para a cerveja e os cigarros, a TAP hesita porquê? Não dá para entender. Tomar uma decisão que traga lucro quase certo, isso é que não.

Um enorme bocejo, é o que é (2)

O Suíça-Ucrânia de ontem foi o jogo mais entediante que vi até hoje. Também não me lembro de alguma vez uma equipa ter falhado três penalties de seguida. Preferia assistir, com garantia de maior entusiasmo, ao torneio inter-freguesias do jogo da malha em Fafe.

quarta-feira, junho 21, 2006

E para os mais desatentos

Alexandre Soares Silva estará na Casa Fernando Pessoa no próximo dia 22 (é já amanhã), às 18h30. Irá falar sobre 20 livros que marcaram a sua vida e, com alguma sorte, resumir Em Busca do Tempo Perdido em 5 minutos, num exercício monty-pythoniano que com certeza não deixará ninguém indiferente.





Mais pormenores sobre a conferência no blog Mundo Pessoa.

Paranomásia

Quem estava hoje, grisalho e assertivo, a comentar a jornada do Mundial na Sport TV com pormenores estatísticos, informações doutorais e uma bela camisa branca com o logotipo da estação era... José Marinho. O outro.

terça-feira, junho 20, 2006

Les barbares

Jesus conviveu com toda a espécie de doentes, prevaricadores, criminosos, charlatães e ignaros. Filisteus, na verdade, muito poucos.

Entre um bárbaro incivilizado e um impingidor de doutrina, há muito mais a fazer pelo primeiro e pouco para aprender com o segundo.

I congratulate you

From all the rest I single out you, having a message for you,
You are to die - let others tell you what they please, I cannot prevaricate,
I am exact and merciless, but I love you - there is no escape for you.

Softly I lay my right hand upon you, you just feel it,
I do not argue, I bend my head close and half envelop it,
I sit quietly by, I remain faithful,
I am more than nurse, more than parent or neighbor,
I absolve you from all except yourself spiritual bodily, that is
eternal, you yourself will surely escape,
The corpse you will leave will be but excrementitious.

The sun bursts through in unlooked-for directions,
Strong thoughts fill you and confidence, you smile,
You forget you are sick, as I forget you are sick,
You do not see the medicines, you do not mind the weeping
friends, I am with you,
I exclude others from you, there is nothing to be commiserated,
I do not commiserate, I congratulate you.



"To one shortly to die", W. W.

sexta-feira, junho 16, 2006

A minha melhor amiga

Da mesma forma que será difícil e raro ver um homem lindo com uma mulher dolorosamente feia, uma mulher lindíssima não terá numa mulher feia a sua "melhor amiga". Também nas amizades entre mulheres há um lado puramente estético, ainda que muito subjacente, na eventualidade de tudo o resto falhar.

Estar em falta

Encanita-me as pessoas que apregoam estar sempre doentes, vítimas de maleitas várias e muito provavelmente exóticas. Quando há ainda uma réstia de paciência para indagar sobre o seu debilitado estado de saúde, mostram-se surpreendidas com o nosso súbito interesse e quase negam o rol de doenças de que padecem. No fim da conversa, estou mesmo a vê-las apontar num caderninho o número de vezes que telefonámos, numa espécie de registo de assiduidade que determina se somos ou não pessoas amigas: "M. telefonou três vezes este mês, mas entristece-me que A. só tenha ligado uma vez, e ainda por cima a despachar".

Admitiria este tipo de raciocínio ao padre a quem me costumo confessar, por exemplo, muito embora esteja em falta vai para uns largos meses. Pensando um pouco melhor, o meu registo de assiduidade no confessionário deve ser das poucas coisas imaculadas que ainda devo ter.

quarta-feira, junho 14, 2006

Dilúvio

Perante a imponderabilidade da natureza em fúria, agarramo-nos a todo o tipo de consolações e defendemos o chão que pisamos como coisa própria nossa.

Um enorme bocejo, é o que é

O que vinha mesmo a calhar era um post fabuloso sobre os 12 jogos do Mundial que vi até agora, mas a verdade é que, à excepção de um ou outro golo mais criativo, os jogos têm sido entre o entediante e o fleumático.

sexta-feira, junho 09, 2006

Estado de hibernação futebolística

A partir de hoje, queiram fazer-me o enorme favor de me contactar apenas em caso de dúvidas essenciais de gramática e sintaxe, morte súbita ou questiúnculas do foro pessoal. Por menos que isto não vale a pena.

Escusado será dizer que só atendo o telefone nos intervalos dos jogos do Mundial (e em "jogos do Mundial" inclua-se o electrizante Trinidade e Tobago/Suécia, o explosivo Coreia do Sul/Togo e o de-mortos-e-feridos Tunísia/Arábia Saudita).

Alguém mande chamar o Nuno Rogeiro

Paulo Paraty, profissional do apito, na RTPN: "A escolha dos árbitros tem a ver com questões geo-políticas."

quinta-feira, junho 08, 2006

The flower says reach out



You will be crowned queen of all you have found
you have found
alone

Beneath the Rose - Micah P. Hinson


Para e.

Camouflage

"Vi-me e desejei-me por um/a [inserir nome de um objecto]" é, provavelmente, a expressão mais estranha que conheço para esconder um certo narcisismo libidinoso.

quarta-feira, junho 07, 2006

Liaisons dangereuses (3)

- You were an innocent child before I laid my hands on you, my little butterfly - cantarolava o entomólogo enquanto espetava o último alfinete na pele aveludada de mais uma menina incauta que se atravessara no seu caminho.

Bibliografia sumária

Passava longas horas à espera da inspiração necessária para escrever a primeira linha de um romance em vários volumes. Se tudo corresse bem, essa empreitada dar-lhe-ia a notoriedade da qual sempre se achara merecedor, apesar de na sua bibliografia constarem apenas dois manuais práticos para o utilizador de linguagem Pascal e uma lista de compras do Staples Office Centre, anotada e aumentada.

terça-feira, junho 06, 2006

Os palimpsestos de Rogério

Rogério era contabilista e orgulhava-se disso, mas tinha o estranho hábito de escrever poemas de amor para a filha do dono da drogaria, sufocando-os de imediato por baixo de teses maçudas sobre o POC.

Não consta que a rapariga apreciasse Neruda, e ainda menos os tristes balancetes em forma de esqueletos amorosos.

Como quem não quer a coisa

Sempre que queria dizer alguma coisa importante escrevia-o entre parênteses, para não incomodar o alinhamento das restantes trivialidades.

sábado, junho 03, 2006

E agora chamem-me reaça

Outro momento alto da noite foi já à saída, no meio da marabunta, quando passou por mim um homem que berrava ao telemóvel qualquer coisa como "Eu agora ándo sempre sózeinho. Até bou à féista do Ábánte".

Olhando com mais atenção para a criatura, reparei que reunia provavelmente o pior de quatro mundos: um autêntico cro-magnon do norte, saloio, gay e comunista.

VIP

A tenda VIP do Rock in Rio é um verdadeiro flop. Desiluda-se quem espera encontrar um ambiente digno de um livro do Bret Easton Ellis, com modelos espampanantes a passear praticamente despidas, servindo bebidas exóticas trazidas de um qualquer país oriental, outras transportando bandejas com pilhas de coca, enquanto o verdadeiro jet-set se entorna pelos puffs numa espiral de melomania e droga.

Pelo contrário, o que vi foi gente a comer alarvemente, uma chinfrineira de conversas ocas sobre quem estava e quem não estava, indiferentes à música lá fora, simpatizantes do Santana (Carlos), homens com calças encarnadas (daquelas que já nem sequer o próprio João de Deus Pinheiro usa), talhantes de Rolex e boné e, claro, o Júlio Isidro.

Ainda sob o efeito de LSD

Concerto fabuloso ontem, no Rock in Rio. Roger Waters tocou na íntegra o álbum Dark Side of The Moon, e para aqueles que não sabiam ao que iam ainda tocou os "oldie goldies" dos Pink Floyd. Desconfio que só aos primeiros acordes de "Another Brick in The Wall" é que muita gente ali percebeu que "afinal, o tal de Roger Waters deve ser qualquer coisa aos Pink Floyd".

De resto, vi muitos rabos-de-cavalo anémicos, saudosistas da ganza deitados no chão a abanar-se convulsivamente, houve gente que se comoveu e chorou, famílias inteiras de camisas aos quadrados, calças Dockers e pullover azul escuro aos ombros, contrastando com hippies fora do prazo com t-shirts dos Rolling Stones (porquê, porquê?) e lencinho ao pescoço. Uma espécie de reunião familiar, portanto.

quinta-feira, junho 01, 2006

Três ideias sobre as pessoas

As pessoas discutem demais.

As pessoas conspiram demais.

As pessoas suam demais.

De acordo, mas