As circunstâncias e eu
De maneira que as hipóteses eram estas: ver o jogo do Porto, ver o jogo do Benfica, trabalhar pela noite fora (sim, acontece-me de vez em quando), todas as anteriores em simultâneo ou ir ao concerto da Diamanda Galás no CCB. Vejo-me obrigada a escolher a última, por força do homem e das suas circunstâncias, e deparo-me com uma fauna absolutamente deprimente: os góticos e as góticas de Portugal são os góticos e as góticas mais nheca-nheca que já vi.
Não basta vestir-se de preto das olheiras às unhas dos pés para se ser gótico. Os góticos não se chamam "Olga" ou "Rui Luís", não usam no mesmo pulso relógios Swatch e pulseiras ouriçadas, não vão a concertos com uma filha de 14 anos e um marido que é parecido com o Clint Eastwood. E no entanto lá estavam eles, os morceguinhos da Venda Nova, os habitantes das ruas que se chamam ruas-projectadas-à-praceta-dos-capitães-de-abril, os góticos portugueses em bandos de três corvos com ar pingado e macilento. Eles e António Fagundes, vá-se lá saber porquê, António Fagundes e uma mulher igual ao Antony (sem os Johnsons), uma Antony-a e eu.
Nessa noite, Diamanda Galás uniu-me a todas estas criaturas durante pouco mais de uma hora. Foi absolutamente magnífico e aterrador ouvir aquela voz fantasmagórica de quatro oitavas a assombrar Edith Piaf, George Delarue, Jacques Prevert/Morrissey/Siouxsie Sioux e Peggy Lee no mesmo labirinto de contínuo sostenuto (passe a redundância), com uma técnica tão perfeita quanto surreal, entre o arrepio de quem percebe que está a ouvir algo sobrehumano e o arrepio de quem já não aguenta nem mais um segundo sob pena de partir o cristal da pele, dos ouvidos, do coração.
No fim do concerto (demasiado curto) vi-me de volta à plateia de góticos lúgubre-kitsch e só me restou ir para casa, pensar naquele interlúdio e agradecer, agradecer infinitamente às circunstâncias.
Não basta vestir-se de preto das olheiras às unhas dos pés para se ser gótico. Os góticos não se chamam "Olga" ou "Rui Luís", não usam no mesmo pulso relógios Swatch e pulseiras ouriçadas, não vão a concertos com uma filha de 14 anos e um marido que é parecido com o Clint Eastwood. E no entanto lá estavam eles, os morceguinhos da Venda Nova, os habitantes das ruas que se chamam ruas-projectadas-à-praceta-dos-capitães-de-abril, os góticos portugueses em bandos de três corvos com ar pingado e macilento. Eles e António Fagundes, vá-se lá saber porquê, António Fagundes e uma mulher igual ao Antony (sem os Johnsons), uma Antony-a e eu.
Nessa noite, Diamanda Galás uniu-me a todas estas criaturas durante pouco mais de uma hora. Foi absolutamente magnífico e aterrador ouvir aquela voz fantasmagórica de quatro oitavas a assombrar Edith Piaf, George Delarue, Jacques Prevert/Morrissey/Siouxsie Sioux e Peggy Lee no mesmo labirinto de contínuo sostenuto (passe a redundância), com uma técnica tão perfeita quanto surreal, entre o arrepio de quem percebe que está a ouvir algo sobrehumano e o arrepio de quem já não aguenta nem mais um segundo sob pena de partir o cristal da pele, dos ouvidos, do coração.
No fim do concerto (demasiado curto) vi-me de volta à plateia de góticos lúgubre-kitsch e só me restou ir para casa, pensar naquele interlúdio e agradecer, agradecer infinitamente às circunstâncias.
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