domingo, dezembro 31, 2006

Our can'ts were born to happen

i am so glad and very
merely my fourth will cure
the laziest self of weary
the hugest sea of shore

so far your nearness reaches
a lucky fifth of you
turns people into eachs
and cowards into grow

our can'ts were born to happen
our mosts have died in more
our twentieth will open
wide a wide open door

we are so both and oneful
night cannot be so sky
sky cannot be so sunful
i am through you so i



e.e.-and of course-c.






Para ti e para todas as letras do teu nome.

This year's songs are next year's memories

Air - "Sexy Boy"
James - "Getting Away With It All (Messed Up)"
Jens Lekman - "A Higher Power"
Micah P. Hinson - "Beneath the Rose" e "Jackeyed"
Mojave 3 - "Love From Room 109 at the Islander" (original de Tim Buckley)
The National - "Secret Meeting" e "Murder me Rachael"
Red House Painters - "Cabezon"
REM - "Low"
Shearwater - "Seventy-four, seventy-five"
Sufjan Stevens - "That Was The Worst Christmas Ever" e "What Child Is This Anyway?"
TV On The Radio - "Dirtywhirl"


E foi a banda sonora possível neste blogue em 2006. Dedico esta sumária lista às minhas irmãs, que não têm culpa nenhuma de terem passado toda a adolescência a ouvir Duran Duran, Queen e Meat Loaf. God bless you.

sexta-feira, dezembro 29, 2006

O império do futuro

Os portugueses têm uma extraordinária capacidade de discorrer durante horas a fio sobre temas em torno do não-acontecimento, pois o que não aconteceu é muito mais interessante do que aquilo que aconteceu de facto. E é fácil perceber porquê: o que ainda não aconteceu dá azo a especulações várias, cenários hipotéticos e antevisões catastróficas; o que aconteceu já não pode ser modificado, pelo que se torna imediatamente maçador.

Em cada português há um Nostradamus frustrado, um profeta sem púlpito que anseia pelo seu pequeno momento de atenção, e na verdade não há nada mais português do que a mania de alterar, acrescentar, inventar e deturpar, com mais ou menos engenho. Somos mestres na arte da farsa e do diz-que-sim, mas continuamos a viver na terna ingenuidade de que somos os únicos a enganar os outros, e nunca o contrário.

Não sei se já repararam, mas o Mário Crespo está de férias

Gostaria de um dia poder assistir a um telejornal cuja duração fosse proporcional à quantidade real de acontecimentos dignos de serem relatados como notícia. Em vez disso, temos uma hora diária de banalidades, o bom e o mau tempo, reportagens intermináveis sobre minudências irrelevantes, os acidentes que aconteceram, os que quase aconteceram e os que podiam ter acontecido.

Temos também a recordação de datas históricas importantes pela voz de Mário Crespo e do seu "jornalismo de excelência", mas a isso, confesso, até já me afeiçoei.

Poema do Natal passado

Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,

de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

É dia de pensar nos outros, coitadinhos, nos que padecem,

de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,

de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,

de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.


Comove tanta fraternidade universal.

É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,

como se de anjos fosse,

numa toada doce,

de violas e banjos,

Entoa gravemente um hino ao Criador.

E mal se extinguem os clamores plangentes,

a voz do locutor

anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu

e as vozes crescem num fervor patético.

(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?

Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)


Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.

Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.

Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas

e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,

com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,

cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,

as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,

ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.

É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,

como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.

Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.

E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento

e compra, louvado seja o Senhor!, o que nunca tinha pensado comprar.


Mas a maior felicidade é a da gente pequena.

Naquela véspera santa

a sua comoção é tanta, tanta, tanta,

que nem dorme serena.

Cada menino

abre um olhinho

na noite incerta

para ver se a aurora

já está desperta.

De manhãzinha,

salta da cama,

corre à cozinha

mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!!

Na branda macieza

da matutina luz

aguarda-o a surpresa

do Menino Jesus.

Jesus

o doce Jesus,

o mesmo que nasceu na manjedoura,

veio pôr no sapatinho

do Pedrinho

uma metralhadora.

Que alegria

reinou naquela casa em todo o santo dia!

O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,

fuzilava tudo com devastadoras rajadas

e obrigava as criadas

a caírem no chão como se fossem mortas:

Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

Já está!

E fazia-as erguer para de novo matá-las.

E até mesmo a mamã e o sisudo papá

fingiam

que caíam

crivados de balas.


Dia de Confraternização Universal,

Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,

de Sonhos e Venturas.

É dia de Natal.

Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.

Glória a Deus nas Alturas.



"Hoje é Dia de Natal", de António Gedeão

quinta-feira, dezembro 28, 2006

Dois mil e sete

Já começo a ler por aí wishlists para 2007. No que a mim diz respeito é fácil: muito mais do mesmo, e nada de tudo o resto.

terça-feira, dezembro 26, 2006

Lição de Cícero

A originalidade provém essencialmente da ausência de disponibilidade para ouvir os outros.

Uma questão de prioridades

É verdade que, neste curto período de férias, tenho mais tempo para escrever neste blogue. Mas também é verdade que, pela mesma razão, tenho mais tempo para me dedicar às coisas que são realmente importantes.

segunda-feira, dezembro 25, 2006

Da excelência e perenidade dos heróis

A excelência do herói homérico é revelada sobretudo no campo de batalha, através da coragem e do domínio físico, mas também na assembleia, pela arte de persuadir: Ulisses junta à força de um guerreiro a eloquência, a astúcia e o poder de decisão. Nas mulheres, a excelência manifesta-se através da beleza (Helena e Penélope) ou do cuidado com os trabalhos e organização da casa (Andrómaca).

A excelência é um dom raro no século XXI.

Sem paciência para Alberto João

O soberbo Rei da Madeira sofre de um fatal orfismo: é o exemplo máximo de acumulação de fantasias a partir de um escasso número de certezas.

What's wrong with this picture?

O padre tocava guitarra no altar, entoando cânticos abrilistas sobre a liberdade e o pão. A beata mais importante da paróquia, que se distinguia das outras por ter mais xailes a cobrir simultaneamente as costas, os ombros e a cabeça, cantava de um só fôlego as quatro linhas do refrão do salmo. A homilia abordava aspectos importantes da época festiva que se vive, como a "prepotência de certos políticos".

No fim, em jeito de resumo, gritava-se ao microfone que há muita gente que "não merece ter Natal", a saber: aqueles que não acreditam em Deus, aqueles que se deixam consumir pelo ódio, os irmãos que vivem em constante discórdia, os pais que abandonam os filhos, os filhos que não conhecem os pais, os governantes que semeiam a guerra, bem como toda a espécie de prevaricadores, incastos e divorciados.

Saí da igreja em silêncio e pasmo profundos e fui celebrar o Natal com a minha família. O Natal que mereço.

sábado, dezembro 23, 2006

Two songs for Christmas




Uma: "That Was The Worst Christmas Ever"

E depois a outra: "What Child Is This Anyway?"

Listas de 2006

- discos com embalagens arty em cartão, feltro, autocolantes, bricolage e relevo (são cada vez menos os que têm uma normal caixa de plástico)

- muitos livros de relativamente poucos autores (passei o ano a esgotar bibliografias completas e a pôr em prática as minhas obsessões literárias)

- filmes melancólicos, porque os dias estão para isso e as noites também

- séries em DVD consumidas como linhas de coca

- viagens com céu limpo em tempo pouco moderado

- aprendi a jogar gamão; já só me falta o bridge e o nine mens morris

- listas de 2006 and everything after.

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Stalin e Heidi

Por outro lado, há sempre quem consiga surpreender nas escolhas de presentes de Natal. Como uma empregada de há muitos anos, a Primavera (não podia inventar este nome, nem que quisesse), que insistia em oferecer-me cuecas com balões, anjinhos ou a Heidi (estas últimas, dizia ela, eram "só para ocasiões especiais"). Ou um tio velhote, excêntrico e solteirão que chegava sempre atrasado para o almoço de Natal (quando se lembrava de aparecer), carregado de moinhos de vento para as crianças da casa, tentando com isto despertar-lhes o interesse para as coisas simples da vida, como o vento, as leis da física e os perdigotos. A melhor coisa que ele nos deu foi um curso intensivo de russo em cassetes, uma relíquia stalinista que espera até hoje um fim condigno ao lado da horrenda Heidi, com aquele chapelinho que parecia metade de um queijo flamengo virado para baixo.

Com Stalin em voz roufenha e Heidi por baixo dos collants, Dickens não precisava de ter criado o Mr. Scrooge. Bastava ter ido ao almoço de Natal lá em casa nos anos 80.

Not-wishlist

O pior do Natal são os presentes inúteis. Não preciso de mais chávenas de café, obrigada, odeio incenso porque me faz espirrar e deixa um cheiro nauseabundo colado às paredes durante dias a fio e (repitam comigo) os chocolates mas-cristina-mon-chéri são intragáveis, pelo amor de Deus.

Livros e cds tudo bem, desde que os possa trocar no dia seguinte.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

I've changed my plea to guilty

Admitir a culpa é apenas uma ínfima parte no caminho para a absolvição. O problema reside em tudo o resto, que é o sincero arrependimento e a promessa de (tentar) nunca mais pecar.

Este ano, quando à meia-noite todos se alinharem em direcção ao altar, ficarei sentada no banco. De um lado terei a ínfima culpa, do outro a suprema esperança.

Balancete

Foi preciso um ano muito bom para compensar um ano muito mau. Ou melhor, foi preciso um ano para perceber quão bom pode ser um ano mau.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

O queixo do mal

Quando for grande, morena e tiver as gengivas pretas, quero ser a Leonor Pinhão

Das poucas vezes que mudei de canal para ver o jogo do Porto fiquei com a sensação de que a bola não passava do meio campo. O Arsenal chutava o esférico com o vigor de um mosquito asmático. O Porto jogava com tanta exuberância como o cabelinho lambido de Jesualdo. Nada contra, a sério. Não é a primeira vez que duas equipas preferem o acordo tácito de um resultado favorável a ambas, presenteando os espectadores com 90 minutos de um toca-e-foge entre rabilós.

O Benfica sai da Liga dos Campeões. O Benfica continua na Taça UEFA. Viva Fernando Santos, viva a covinha do queixo de Fernando Santos, viva a expressão "fomos derrotados, mas saímos com dignidade" de Fernando Santos. Eis um homem que sabe perder.

Quanto ao Sporting, tem agora pela frente o estimulante desafio de ganhar coisas realmente importantes como a Taça de Portugal. Mas para isso ainda poderá ter que derrotar equipas fortíssimas como o Valecambrense, o Juventude Évora ou o clube da Camacha. Adivinham-se tempos difíceis para estes rapazes.

terça-feira, dezembro 05, 2006

Operação memória

1. Vasco Granja e bonecos de plasticina e jornal velho de "reconhecidos animadores polacos"
2. TV Rural e qualquer coisa sobre maçãs podres na Covilhã
3. assistir à transmissão da mensagem de Ano Novo do Papa, todos os anos
4. o inenarrável Sequim D'Oro, também no dia de Ano Novo
5. 70x7
6. Vivó Gordo ("Leva tudo, geléia!")
7. os separadores entre programas, com fundo de moscas e um som de molas enferrujadas
8. presidenciais de 1986 (Freitas do Amaral)
9. leite com Ovomaltine
10. chocolates Regina com sabor a morango
11. umas pastilhas de cálcio, numa caixa metálica cor-de-rosa, que a minha Mãe me obrigava a engolir todos os dias
12. Nestum Mel, sempre com grumos
13. pasta de dentes Binaca (um horror)
14. as fardas castanhas do colégio das minhas irmãs
15. usar as mesmas roupas que os meus irmãos tinham usado 15 anos antes e sentir-me a pessoa mais infeliz do mundo
16. estar com varicela e darem-me um livro de exercícios de gramática para me "entreter" (resultou)
17. ser chamada de "espirra-canivetes"
18. ler às escondidas por baixo dos lençóis com uma lanterna
19. ouvir rádio em frequência AM às escondidas por baixo dos lençóis, sem lanterna
20. fazer muitas coisas às escondidas e mentir descaradamente quando era apanhada, o que acontecia quase sempre
21. obrigar o meu Pai a levantar-me no ar para poder tocar no tecto com a ponta dos dedos (invejo agora os meus sobrinhos)
22. jogar mahjong e não perceber nada dos ventos, dos dragões, dos bambus, e amuar por nunca me deixarem ser "a banca"
23. quando apareciam as malfadadas tangerinas ao jantar, havia sempre um Assurancetourix que entoava "Oh my darling, Clementine!" (com a diferença de não ficar dependurado num ramo de uma árvore até ao fim do banquete)
24. fazer desenhos e deixá-los em cima das almofadas da cama dos meus pais com recados do género "hoje portei-me bem" ou "não gosto de tangerinas"


Única sobrevivência: continuo a não gostar de tangerinas.

(I see you smile)

If Ezra Pound were alive today
(and he is)
he'd be teaching
at a small college in the Pacific Northwest
and attending the annual convention
of writing instructors in St. Louis
and railing against tenure,
saying tenure
is a ladder whose rungs slip out
from under the scholar as he climbs
upwards to empty heaven
by the angels abandoned
for tenure killeth the spirit
(with tenure no man becomes master)
Texts are unwritten with tenure,
under the microscope, sous rature
it turneth the scholar into a drone
decayeth the pipe in his jacket's breast pocket.
Hamlet was not written with tenure,
nor were written Schubert's lieder
nor Manet's Olympia painted with tenure.
No man of genius rises by tenure
Nor woman (I see you smile).
Picasso came not by tenure
nor Charlie Parker;
Came not by tenure Wallace Stevens
Not by tenure Marcel Proust
Nor Turner by tenure
With tenure hath only the mediocre
a sinecure unto death. Unto death, I say!

With tenure
Nature is constipated the sap doesn't flow
With tenure the classroom is empty
et in academia ego
the ketchup is stuck inside the bottle
the letter goes unanswered the bell doesn't ring.



"With Tenure", David Lehman (Operation Memory, 1990)

Pequeno momento vitoriano

É verdade que muitos se distinguem porque têm mérito, tal como é verdade que muitos são distinguidos sem o merecerem.

A verdadeira diferença entre mérito e distinção não sobreviveu a académicos gananciosos, a republicanos perdulários e a psicólogos em barda.