terça-feira, maio 30, 2006

Lisboa é uma espécie de tubo de ensaio para estetas

A canícula tem resultados práticos óbvios: mulheres cada vez mais despidas pelas ruas de Lisboa e homens cada vez mais obcecados com a perfeição.

Paradigma dos dias quentes

Em dias de calor como o de hoje, não estou para estudos de casuística.

segunda-feira, maio 29, 2006

Dar de comer aos leões

Perante a notícia de que os pais poderão avaliar os professores, tremo só de pensar naqueles pais histéricos com as notas dos filhos, empenhados em fazer dos seus rebentos futuros génios deste país, quer eles queiram quer não, aquele tipo de pais que ocupam todo o seu tempo a estudar com os filhos, a fazer os trabalhos de casa com os filhos, a fazer os trabalhos em vez dos filhos, exactamente aquele tipo de pais que vivem o ano curricular com uma convicção quase surreal, que dizem "temos três testes seguidos na próxima semana, não sabemos se vamos ter tempo para estudar". Que espécie de avaliação poderão fazer de um professor se, por mero acaso, e apesar do esforço hercúleo dos pais, o aluno (o verdadeiro) tiver uma negativa no fim do ano?

Por outro lado, se um professor se render ao comodismo de uma "passagem administrativa" de todos os seus alunos, poderá assegurar desde logo uma ovação por parte dos pais? E se o professor, miserável criatura de coração empedernido, se atrever a chumbar uma pobre alma, apesar da pressão dos pais chorosos e dos psicólogos revoltados com o trauma que esse "adulto em formação" irá sofrer e do qual certamente nunca vai recuperar?

Por razões bem mais prosaicas já muita gente foi atirada aos leões.

Early morning question

Exactamente quantos posts com o mesmo título, seguidos de um tipo de numeração a gosto, são necessários para se poder afirmar que estamos perante uma "série"?

sexta-feira, maio 26, 2006

Com posts destes, quase Desejo Casar

"Para a minha colecção de momentos quase perfeitos, a soma dos quais é o único tipo de felicidade que quase conheço.
Há dias, numa noitada em casa de quase amigos, a filha mais nova quase despertou e quase começou a chorar. A mãe, que quase me ouvira confessar horas antes o desejo de paternidade, foi buscar a menina, quase 4 quilos e quase 40 dias de gente. Pô-la nos meus quase braços, barriguinha junto ao coração, mão quase por baixo, outra nas costas da bebé, a cabeça ligeiramente tombada no meu ombro. Minutos depois de uma dança quase suave e tímidos carinhos, a Maria Quase do Mar adormeceu outra vez. A mãe guiou-me ao berço onde pousei o ser humano mais bonito que quase já vi. Caíram-me espontaneamente duas quase lágrimas que quase molharam a bebé mas quase não atrapalharam o seu soninho. Lágrimas quase gordas, quase imprevistas, quase rápidas, quase de pura, imensa quase alegria e, quase creio, espanto.
Pode ser quase ridículo partilhar informação como esta, mas quase nunca antes fizera o que acabo de quase vos descrever - em termos quase simples que quase não fazem jus ao que o quase momento significou. Pegar um bebé quase como deve ser, adormecê-lo quase naturalmente, quase confortável, quase pai. Tenho quase a certeza que há quase muito tempo não era quase feliz assim."


[itálicos meus]

Separados à nascença

quinta-feira, maio 25, 2006

Comunicação inviável

Pergunta-se a um mecânico se o carro tem arranjo, e ele responde

- O que é que acha?



Pergunta-se a um psicólogo a que horas é o jantar, e ele responde

- O que é que acha?



Deixa-se de fazer perguntas.

Mea culpa

Os meus amigos mostram-me sorrisos azedos quando lhes digo que tenho dois meses de férias. Gente sisuda, é o que é.

Tenho que ir à bruxa

Esbofetearem-me o carro duas vezes em menos de dois meses já não é uma mera sucessão de infortúnios. É maldição gratuita e vil.

(a única melhoria é que desta vez o condutor do outro carro era giríssimo, o que tornou o preenchimento da papelada um tudo-nada mais aprazível.)

terça-feira, maio 23, 2006

É claro que me ocorre perguntar

Se Ricardo Costa é a cara da vergonha do jornalismo português, como cuspiu Carrilho em jeito de despedida triunfal, que cara atribuir então a Emídio Rangel, criador omnipotente da "low culture" televisiva mais abjecta de sempre?



Somos homens ou somos ratos

A nossa classe política pode não ser exemplar, nem entusiasmante, e por isso mesmo nem sequer original, mas há que reconhecer no discurso de Carrilho ontem à noite um argumento fundamental: o da generalização injusta. É verdade que um elemento excepcionalmente medíocre não contamina toda a classe, por menos brilhante que esta seja. Faça-se, pois, a vontade a este senhor e evite-se o erro de achar que somos todos homens.

domingo, maio 21, 2006

Mira técnica

Durante muitos anos adormecia em sossego absoluto, ligada aos fios de um walkman encarnado sempre a tocar as mesmas cassetes com músicas que eu já sabia de cor. Vários anos a deitar-me tardíssimo e inúmeras noitadas depois, adormeço agora com uma espécie de mira técnica na minha cabeça: cores berrantes às riscas e um zumbido de moscas nos ouvidos a embalar-me. Acho que é a isto que se chama crescer.

quinta-feira, maio 18, 2006

Patriotismo tem limites

Se Scolari se atrever a pedir aos portugueses para, além de pendurarem as bandeiras nacionais em todas as varandas, gaiolas e postigos de Portugal, usarem também o inenarrável chanato verde-e-vermelho que vem com o kit da selecção, aí juro que emigro.

Relações pós-colonialismo

Tenho uma empregada brasileira que me manda comprar "sabão" para o chão, esconde a louça em armários diferentes todas as semanas, arruma tudo o que está à vista e deita fora aquilo cuja utilidade não entende. Chega a ser ainda mais criteriosa do que eu no que toca à arrumação da roupa por cores e categorias várias. Cúmulo dos cúmulos, não se esquece de me lembrar de tomar os inesgotáveis frasquinhos de ferro caramelizado (o meu chuto diário).

Nunca as relações entre ex-metrópole e ex-colónia foram tão harmoniosas.

E a culpa é do mordomo

Não tenho prazer algum em preocupar-me por dá cá aquela palha, mas quando me dizem repetidamente que "vai tudo correr bem", não posso deixar de sentir que me estão a antecipar qualquer coisa que desconheço ainda. É como se já soubessem todos o fim do filme, quando eu ainda estou a tentar perceber quem são "os maus", "os bons" e "as boas".

quarta-feira, maio 17, 2006

AD 2010




The horror, the horror...

terça-feira, maio 16, 2006

A vontade que me ata ao leme

Entre a vontade de trabalhar e a vontade de atirar a vontade de trabalhar às urtigas, vence a primeira por força de vontade.

Dry bones (2)

Na igreja cantava-se:

The head bone connected to the neck bone,
The neck bone connected to the back bone,
The back bone connected to the thigh bone,
The thigh bone connected to the knee bone,
The knee bone connected to the leg bone,
The leg bone connected to the foot bone,
Oh, hear the word of the Lord.


E enquanto uns seguiam esta arquitectura descendente, outros ocupavam-se das suas penitências em silêncio.

Dry bones

Um esqueleto não é um conjunto de osso ligados uns aos outros. Um esqueleto é um osso, ligado a outro, ligado a outro. E é isto que faz toda a diferença.

quarta-feira, maio 10, 2006

Corno manso

A expressão "corno manso" tem algo de muito singular: consegue aliar à fatalidade da traição uma espécie de conivência em surdina, tornando a ignorância dos factos um estado superior de existência.

Entretenimento familiar

Tempos houve em que os adultos dominavam por completo as conversas à mesa, enquanto as crianças se limitavam a comer obedientemente o que tinham no prato, de preferência sem interferirem na conversa dos mais velhos. Hoje em dia os adultos escutam, embevecidos, as prodigiosas imitações que os miúdos fazem de todo e qualquer "sketch" do Gato Fedorento.

Divergências irreconciliáveis

A razão pela qual é sempre mau começar uma conversa com uma referência ao apelido do interlocutor tornou-se óbvia para mim há uns tempos. Na minha turma da faculdade havia uma brasileira que se chamava Réjane da Holanda. Perguntei-lhe se era da família do Chico Buarque, ao que ela me respondeu com um expressivo "Ué?", seguido de "E você? É da família daquele jogador de futebol argentino?".

A conversa ficou por ali.

terça-feira, maio 09, 2006

Just keep your mouth shut

A presunção de que alguém quer mesmo ouvir o relato das nossas alegrias é tão infundada quanto a nossa sincera disposição para ouvir o relambório das desgraças alheias.

Eu ou um ulmeiro qualquer

Encontro um antigo colega de turma da minha primeira escola, que se aproxima de mim com o meu nome completo na boca. Não me lembrava nada da cara dele, nem do nome, muito menos do apelido. Ele, pelo contrário, dizia-me que eu não tinha mudado nada desde há 15 anos. Abancou ao meu lado e falou durante imenso tempo (ou pelo menos assim pareceu) sobre pessoas que eu já não sei quem são, partindo depois para os dramas pessoais, dois cursos deixados a meio, complicações várias. Não pude deixar de pensar que, para aquele rapaz atormentado, era indiferente estar ali a ser ouvido por mim ou por um ulmeiro qualquer.

Mudaste imenso

- Quando te conheci eras adepta de Voltaire.

- Pelo contrário: continuo cândida como sempre.

segunda-feira, maio 08, 2006

Escrito com uma certa raivinha

O campeonato acabou finalmente, sem glória para o Benfica e com a triste descida de divisão do Beleneneses. Vi este ano mais jogos de futebol do que queria na verdade, e a única coisa que me ocorre dizer é que foi um campeonato de pequenas misérias, a começar pela "enérgica" luta pelo segundo lugar entre os clubes de Lisboa. Do Benfica o melhor é nem falar (como é possível falhar todos os objectivos do ano e ainda ter que aturar a carinha de cabide do Koeman?), e do Sporting guardo apenas a imagem de Bento sempre à beira do choro, franjinha descaída, um quase-beicinho, amuado com os árbitros quando a equipa perdia. Que falta de pachorra, sinceramente.

Para Pinto da Costa o ano foi muito positivo: é ilibado do caso do Apito Dourado, o Porto ganha o campeonato por incompetência extrema dos adversários e, maravilha das maravilhas, vê-se de novo livre para namoriscar as raparigas casadoiras do norte. Que felicidade, pá.

Assim sendo, faço minhas as palavras do Professor Catedrático Rui Santos: "o que Portugal precisa não é de um 25 de Abril, mas sim de um 50 de Abril" (alguém lhe dê uma medalhinha qualquer, por favor).

E para finalizar, o comentário possível sobre a evolução do meu entusiasmo ao longo deste campeonato:



(Statler e Waldorf, "Grumpy Old Men Booing")

Tram #7 to heaven

De preferência sem regresso.

sexta-feira, maio 05, 2006

O que é National é bom

"Murder me Rachael", música repetitiva, obsessiva, destrutiva.

Uma bonita história de amor, portanto.

Éme-Éme

Marques Mendes é maçador. Marques Mendes não só é maçador, como maça todos à sua volta. Os próprios jornalistas, obrigados à aborrecida tarefa de ter que fingir interesse profundíssimo no discurso do líder do PSD, bem como os comentadores políticos, tentando espremer qualquer coisa daquela entrevista que não fosse óbvia ou redundante, todos sem excepção estavam assustadoramente maçados. Até eu, que fui ouvindo "A Formiguinha" na SIC Notícias com a mesma nitidez da voz da professora do Charlie Brown, senti (ainda que por breves momentos) uma súbita saudade da verve de Santana Lopes.

Felizmente já passou.

quinta-feira, maio 04, 2006

Propriedade comutativa da adição

Se o resultado permanece inalterável, independentemente da ordem pela qual os factores são adicionados, só me resta aceitar que a propriedade comutativa da adição talvez não seja uma coisa assim tão incapacitante.
Até os mais desconfiados se rendem à lógica, pelo menos uma vez na vida.

O céu que nos protege

Nada nos diz sobre como nos protegermos dele.

A bunch of lonesome and very quarrelsome heroes

Juntavam-se todos os dias no coreto para discutir qual deles tinha sido o mais humilhado no passado e o mais ignorado na noite anterior.

Explicação dos genes (2)

Uma criança precoce é uma criança que desde muito cedo aprende a ser sarcástica, e não há nada mais triste do que perceber numa criança essa forma artificial -e no entanto tão óbvia- de ocultar a desilusão.

Explicação dos genes

Admiro profundamente quem, no meio de angústias mais do que justificadas, ainda tem espaço para o mais fino humor.

A importância de um nome

god I got the sad blue blues,
this woman sat there and she
said
are you really Charles



Bukowski?




and I said

forget that


I do not feel good
I've got the sad sads
all I want to do is
fuck you
and she laughed
she thought I was being
clever
and O I just looked up her long slim legs of heaven
I saw her liver and her quivering intestine
I saw Christ in there
jumping to a folk-rock
all the long lines of starvation within me
rose
and I walked over
and grabbed her on the couch
ripped her dress up around her face
and I didn't care
rape or the end of the earth
one more time
to be there
anywhere
real
yes
her panties were on the
floor
and my cock went in
my cock my god my cock went in
I was Charles
Somebody.

terça-feira, maio 02, 2006

A teoria de Marcos

Marcos tentava explicar à sua mulher que a população crescia em progressão geométrica, ao passo que os meios de subsistência dessa mesma população cresciam apenas em progressão aritmética, e por isso deviam à humanidade um casamento sem filhos. A mulher, concentrada nas pirâmides de números que Marcos lhe apresentava, só não conseguia perceber o que é que esta teoria tinha a ver com a falta de sexo.

Paralelo 38º

Exactamente onde é que acaba Linda-a-Velha e começa Linda-a-Pastora?

Coisas que me maçam

Chateia-me ser uma das poucas pessoas que ainda não se cruzou com o Paul Auster em Lisboa. Por outro lado, se de facto o encontrasse, provavelmente não iria conseguir passar além do gracejo desajeitado. Ou, pensando bem, talvez lhe dissesse, num rasgo de coragem, que a filha dele é giríssima (o que é verdade), tal como a mulher (o que já não é verdade).

Tenho que perder esta mania de elogiar as mulheres dos outros à falta de melhor tema, até porque metade das vezes estou a mentir descaradamente.

Andar nas nuvens



(modelo: take a walk on the wild side)